Os guardas municipais podem ou não atuar como agentes de trânsito? A polêmica deve esquentar nos próximos dias no Recife, onde mais de um terço dos 1.070 concursados para a guarda da cidade são habilitados e transferidos para fiscalizar o trânsito e multar. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) decidirá hoje se dará seguimento à denúncia recebida, na semana passada, na qual um cidadão questiona a inconstitucionalidade de os guardas terem competência para fiscalizar e aplicar multas. A Companhia de Trânsito e Transporte Urbano (CTTU) diz estar respaldada pela lei. Caso acate à denúncia, o MPPE abrirá uma ação cível contra o órgão municipal e as multas aplicadas desde 2007 no Recife poderão ser anuladas, um total de 600 mil. Só em 2010, foram mais de 225 mil. Nesse caso, um novo concurso público específico para agentes de trânsito deverá ser realizado pela Prefeitura do Recife.
Na avaliação do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e da Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades, desde 2007, a guarda municipal, de fato, não tem competência para colocar seus homens como agentes de trânsito. Um documento de 32 páginas com a denúncia foi entregue aos promotores de Defesa do Direito Humano ao Transporte no Grande Recife, Humberto da Silva Graça, e ao promotor do Patrimônio Público da Capital, Eduardo Cajueiro. “Caso constatemos a irregularidade, vamos solicitar à Prefeitura do Recife a regulamentação da situação. Caso não acatem, abriremos uma ação cível”, afirmou o promotor do MPPE,Humberto Graça.
O denunciante, que é coordenador do curso de direito no trânsito da Faculdade Maurício de Nassau, major Israel Moura, afirmou que além da resolução do Denatran, ele se baseia no artigo 144, parágrafo 8°, da Constituição Federal de 1988, que afirma que “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.” Segundo o major, “a Prefeitura do Recife está tirando os guardas da sua função original”. Caso a denúncia seja acatada, as multas poderão ser anuladas no município, como a do comerciante Luiz Alves, 30 anos. “Fui multado por molhar sem querer as pessoas na calçada. Os guardas aqui não educam, só multam. O principal seria dar qualidade a eles”, opinou.
Apesar de a denúncia ainda não ter chegado oficialmente à CTTU, a presidente do órgão, Maria de Pompéia, mostrou-se tranquila e disse que a Prefeitura está devidamente respaldada pela lei. Ela justifica que o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) permite ao município a organização do seu trânsito a partir de um convênio com o Detran do estado. “Além disso, o próprio Denatran nos deu a permissão para treinarmos e habilitarmos os guardas municipais na função de agentes de trânsito, em 2003”, afirmou. Pompéia também alegou que no artigo 144, parágrafo 8°, a palavra “serviços” dá brecha a utilização de guarda como agente. No Recife, todos os guardas passam por um curso de 165 horas para atuarem como agentes de trânsito. Assim como ocorre em capitais do país, como no Rio de Janeiro, por exemplo.
De acordo com o vice-presidente da Comissão de Controle dos Atos Públicos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-PE), Marcelo Labanca, do ponto de vista constitucional não há problemas no desmembramento da função dos guardas no Recife, já que eles recebem o devido treinamento. “A ideia atual não é de acirramento das competências da unidade federativa mas, sim, da cooperação”, declarou Labanca, que é doutor em direito constitucional.
Entenda o caso
O que alega o documento entregue ao MPPE
Conforme entendimentos prestados pelo Denatran e a Consultoria Jurídica do Ministério das Cidades, desde 2007, a guarda municipal não tem competência para atuar como agente de trânsito.
Guardas municipais têm atribuição apenas de proteger o patrimônio público
O que alega a CTTU
O trânsito no Recife foi municipalizado em 2003, quando o próprio Denatran deu a permissão para o órgão, recém-criado, treinar e habilitar os guardas municipais na função de agentes de trânsito. Quando a nova portaria da entidade nacional saiu em 2007, a CTTU, que já utilizava os guardas como agentes, seguiu com a permissão
O que diz a Constituição
No Artigo 144 parágrafo 8: “os municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme a lei.”
Para o denunciante
A palavra “serviços” é inválida para os fins que a CTTU utiliza
Para a CTTU
A palavra “serviços” abrange o direito da cidade de utilizar, após treinamento, o guarda municipal como agente de trânsito
O que diz o MPPE
Não irá se pronunciar de maneira prévia. Está analisando a denúncia e deverá procurar a CTTU esta semana para buscar explicações
As possíveis consequências
Caso os promotores do MPPE considerarem a denúncia como válida, além de todas as multas aplicadas por guardas de trânsito serem anuladas, a Prefeitura do Recife teria que abrir concurso para substituir os guardas por agentes
Os exemplos
O Ministério Público de Alagoas está obrigando a Superintendência Municipal de Transporte e Trânsito de Maceió a fazer concurso para 200 agentes de trânsito em substituição aos guardas municipais. Em Belém, o MPAP também já confirmou que entrará com uma ação cível contra a Companhia de Transportes do Município e irá anular mais de 165 mil multas.
Fonte: Diario de pernambuco - 30/05/2011